sexta-feira, 1 de julho de 2011

Bisfenol A: Você é o que come na embalagem que consome?

"Da qualidade das embalagens comercializadas no Brasil"


Por meio do sistema endócrino, os agentes químicos interferem nos organismos e alteram a síntese e a metabolização dos hormônios. Ele é integrador, assim como o sistema nervoso autônomo, e é regulado por uma série de eixos de retroalimentação. Interferentes químicos ambientais alteram a produção de hormônios agindo como desreguladores endócrinos.
Para debater este assunto, a conselheira do Cremesp e endocrinologista 
Ieda Verreschi convidou o químico Peter Rembischevski – mestre em química orgânica e especialista em toxicologia, há 10 anos na Gerência Geral de Toxicologia da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) –  e Fabiana Dupont, uma das criadoras do portal O Tao do Consumo (Você é o que come na embalagem que consome www.otaodoconsumo.com.br), com foco em informações sobre agentes químicos desreguladores como o Bisfenol A, presente em embalagens plásticas
para alimentos.
Ieda: A partir de 1980 surgiram pesquisas científicas sobre desreguladores endócrinos, indicando que provocavam alterações em algumas espécies sem maior repercussão. Recentemente, o assunto passou a ter maior destaque em conferências científicas.
Peter: O conhecimento científico nessa área cresceu muito nos últimos dois anos. Ensaios em animais e células humanas demonstraram que o bisfenol e outros desreguladores endócrinos têm potencial para causar efeitos adversos. A dúvida é se as doses empregadas nos estudos estão acima das que se correlacionam com a exposição humana. Mas, não podemos descartar os efeitos nocivos demonstrados em animais.
Fabiana: Pesquisas apontam que a maior fonte de exposição de crianças ao bisfenol é a mamadeira de policarbonato. Já a de adultos são as latas de alimentos e bebidas.
Peter: Estudos não comprovaram efeitos nocivos em baixíssimas doses. A Comunidade Europeia baniu recentemente a mamadeira de policarbonato, que contém bisfenol, baseada no princípio de precaução. Nesse caso é bem aplicado, pois não há certeza sobre sua segurança, há indícios de malefícios. Gosto da frase dos toxicologistas de que “a ausência de evidência não é o mesmo que evidência de ausência”. Comprovar que os níveis de bisfenol presentes em mamadeiras ou em enlatados não fazem mal ao ser humano seria evidência de ausência, mas não é esse o status atual.
Fabiana: É preciso mais pesquisas, inclusive sobre a interação entre vários compostos. Cerca de 80 mil químicos são utilizados no mundo em produtos do cotidiano. Apenas 200 foram estudados em profundidade, e a maioria como agente isolado. Os EUA declararam guerra ao câncer com foco nos químicos, porque os cientistas concluíram que a genética e os maus hábitos não são suficientes para justificar o aumento de câncer. Outra coisa pode estar acontecendo, o bisfenol age como um estrogênio e alguns deles causam câncer e infertilidade. O hormônio pode ser utilizado pela medicina para outros fins, mas sua inclusão em embalagens alimentares é um despropósito. O bisfenol também está presente em recibos de máquinas de cartão de crédito. Quem trabalha como caixa durante todo o dia precisa ser acompanhado, pois também o recebemos por absorção dérmica. Alguns desreguladores não afetam apenas a geração atual, mas as duas seguintes. Nossa geração conviveu menos com plástico, mas as crianças de hoje vivem em outro mundo. Quais serão as consequências em longo prazo?
Ieda: O princípio da precaução é importante. A evidência da atuação de ftalatos não é tão forte no animal exposto, mas os defeitos se manifestam nas gerações seguintes. Verifica-se em modelos animais pela possibilidade de analisar três gerações em três anos.

"Operadoras de caixa de supermercados apresentaram maiores níveis de bisfenol" - Peter
Peter: O artigo que a Fabiana citou sobre máquinas de cartões tem outras conclusões, como a análise de presença de bisfenol no sangue e urina de mulheres grávidas. As que trabalham como caixa apresentaram maior ní­vel de bisfenol, comparada às outras ocupações. Ainda que de forma cautelosa, sugere que a exposição ao bisfenol não acontece apenas por ingestão como pensávamos. É preciso estudar a exposição à pele.
Fabiana: Além de embalagens alimentares, o bisfenol é utilizado em CDs, DVDs, computadores, filtro de cigarro, papel filme etc. É um produto muito lucrativo para a indústria petroquímica, que pressiona para continuar a vendê-lo. Atualmente, cerca de seis empresas sintetizam o bisfenol utilizado no mundo. Nos EUA, várias empresas já estão procurando alternativas, utilizando resinas novas ou passando para o vidro. Como essa questão está sendo tratada pela Anvisa?
Peter: No imaginário popular, a substância sintética é ruim e a natural, boa. Há desreguladores endócrinos em produtos sintéticos e naturais, como a soja. Os alimentos liberam pesticidas naturais. As plantas que ingerimos produzem substâncias mutagênicas e até cancerígenas para se defender de agressores. Mas têm também substâncias benéficas que neutralizam essas ações, como por exemplo, os antioxidantes. O organismo tem uma memória toxicológica evolutiva pelo convívio com essas substâncias nos alimentos há milhares de anos, criando sistemas imunológicos e enzimáticos capazes de depurá-las. Talvez não seja possível fazer o mesmo com a sintética, que acompanha a humanidade há apenas 50 anos.
Fabiana: Do período da gestação aos três anos é a janela mais preocupante. A mamadeira já libera bisfenol na temperatura ambiente. Mas com o aquecimento, libera até 50 vezes mais.
Peter: A Universidade de Lisboa fez estudos em mamadeiras – com leite, suco de laranja e água em variadas temperaturas até os 100 graus – que demonstraram a migração do bisfenol A para o líquido. Fez-se também avaliação de risco, com base no valor de DDA (Dose Diária Aceitável) de 50 microgramas de bisfenol por quilo corporal. O máximo que se atingiu foi 1,7 – muito abaixo do DDA. Até há pouco tempo, isso sustentava sua não proibição. Porém, passou a ser proibido nos EUA e Europa porque estudos, ainda que não conclusivos, demonstraram alguns efeitos em doses 200 vezes mais baixas do que a aceitável. A Anvisa manteve aberta até fevereiro a Consulta Pública número 114 sobre centenas de aditivos de contato com alimentos, inclusive o bisfenol em mamadeiras. A consulta é motivada pela necessidade de alteração de parâmetros. A resolução da Anvisa estava defasada em relação aos avanços científicos e aos atuais parâmetros da Europa. Ela estabelecia em três miligramas por quilo a quantidade máxima de plástico em alimento, enquanto a Europa já adotava 0,6. Para harmonizar a legislação europeia com a de países do Mercosul, a norma será alterada.
 

"A maior fonte de exposição de crianças ao bisfenol é a mamadeira de policarbonato" - Fabiana
Fabiana: Em relação às mamadeiras produzidas, a Anvisa está checando a migração com os fabricantes?
Peter: Pode ser que não estejamos preparados ainda para essa migração das mamadeiras. A Europa fez isso e quando colocou o tema em consulta pública perguntou aos fabricantes o que a mudança acarretaria. A fábrica poderia fechar ou despedir milhares de pessoas? A agência reguladora e as autoridades devem ter essa preocupação. Quando não há certeza, querendo fazer o bem, podemos causar mal maior. Também é possível colocar uma substância menos testada e segura que a anterior no mercado. Bem ou mal, o bisfenol é testado há 70 anos. A conclusão do questionário aos fabricantes de mamadeira foi a de que a própria indústria já tinha substitutos.
Fabiana: Há pouco o bisfenol foi proibido na Europa. Já está proibido no Canadá e em oito condados dos Estados Unidos. A dúvida é: onde vão parar essas mamadeiras? É importante que o público seja informado sobre o que está acontecendo. Não é demonizar o bisfenol ou o plástico. Existem opções e mesmo no Brasil não é preciso se expor a isso.


Ieda:
 No controle das águas, a Sabesp está fazendo um trabalho específico e algo deve mudar, mas a Europa faz isso há séculos.

Peter:
 Há algum tempo está sendo revisada a Portaria 518, do Ministério da Saúde, de controle de água. A Anvisa entrou nessa discussão e acabou se retirando porque não concordava com os parâmetros adotados. Minha área gerencial desenvolve um programa de controle de resíduos agrotóxicos em alimentos que, no máximo até 2012, passará a fazê-lo em água também.
Ieda: A maioria dos agrotóxicos é desregulador endócrino.
Fabiana: Muitos falam que a água da torneira em São Paulo é boa para beber. Eu tomo às vezes, mas fico com medo.
Peter: É boa no sentido microbiológico e de controle do cloro, entre outras substâncias. Mas o controle químico ainda está pendente. A portaria 518 tenta estabelecer limites mais restritos para algumas substâncias, mas comparado aos EUA, estamos atrasados.
Ieda: A iniciativa privada tem um papel no sentido de antecipar catástrofes?
Fabiana: Oficialmente não, mas é fundamental que as empresas deem esse passo, sem esperar o governo proibir. A medicina e a ciência andam rápido e os processos governamentais são burocráticos e lentos. As empresas que tomarem a iniciativa primeiro sairão ganhando pela atitude sustentável de um produto livre de bisfenol. Além da mamadeira, são milhares de produtos plásticos utilizados, o copo descartável, as garrafas pet, Tupperware etc. Seu preço é muito baixo e, depois de usados, nada valem. A maior parte do que fica jogado na rua é de plástico. Além do volume enorme, a decomposição leva séculos e seus componentes podem se desprender e ir para os leitos fluviais. Latas ou vidros ao contrário, têm valor.

"O princípio da precaução é importante; os defeitos podem se manifestar nas gerações seguintes" -  Ieda  
Peter: Isso acontece naturalmente nos países em que a população está mais conscientizada.
Fabiana: Pode ser interessante a volta da reutilização do vidro, porque ainda há logística para tal. Bares trabalham com garrafas retornáveis, mas fazíamos isso também em supermercados com os refrigerantes e outras bebidas. Reutilizar reduz custos e permite o retorno ao ciclo produtivo em vez de ir para o lixo.
Ieda: Grande parte dos acidentes domésticos era causada por vidro quebrado ou estilhaçado. Houve um movimento da saúde pública para conter seu uso. O vidro pode retornar, desde que fabricado com outras características de segurança.
Peter: No caso de mamadeiras, por exemplo, há outros materiais plásticos isentos de bisfenol. Pode ser mais caro, feio e menos prático, mas a saúde das crianças merece esse cuidado. Chegará num ponto em que todos irão ganhar. Mas nem toda substância sintética é nociva. Bem ou mal, a humanidade progrediu e as condições de saúde melhoraram. Mas por que não evitar aquilo que não sabemos se faz mal? Os recipientes de plástico velhos, principalmente mamadeiras com rachaduras, liberam mais monóxidos. Está provado que cigarro tem efeito sobre o desenvolvimento fetal e seu filtro tem bisfenol. Pode haver sinergismo de substâncias. Às vezes, em pequena quantidade, não faz tanto mal isoladamente, mas, junto à outra, apresenta efeito aditivo. Está comprovado que essas substâncias cruzam a barreira placentária e atingem o feto, ainda despreparado para receber grande carga de substâncias químicas. Ainda em relação a essas substâncias, intriga a questão da feminilização em anfíbios.
Ieda: Vale lembrar que o órgão sexual de anfíbios desenvolve-se em uma ou outra direção de forma sazonal
Peter: O que foi observado em anfíbios pode não acontecer em mamíferos, mas é indício de que essas substâncias alteram a diferenciação genital. Uma pesquisadora da área comportamental fez um estudo com crianças de até quatro anos demonstrando que meninos que preferiam as brincadeiras de menina apresentavam maiores níveis de determinados ftalatos no organismo. É um indício intrigante que exige mais pesquisas.
Fabiana: Não é o produtor, mas a comunidade científica que tem de provar que determinado produto faz mal, quando deveria ser o contrário, principalmente quando está ligado à alimentação.
Ieda: Se compararmos com dez anos atrás, evoluímos, mas queremos melhorar mais.
Como saber se há bisfenol
Procure o símbolo da reciclagem na parte de trás da embalagem. O bisfenol pode estar presente nos números 3 e 7. Às vezes, a mamadeira não tem esse símbolo, mas em geral é mencionado de que material é feita. Evite se for de policarbonato.

Fonte: Revista "Ser Médico".

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