quinta-feira, 8 de outubro de 2009

O dia em que foram ultrapassados os limites da Terra

ASSEMBLEiA GERAL DA ONU / UN GENERAL ASSEMBLY / ASAMBLEA GENERAL DE LA ONU

Discurso de Leonardo Boff no dia 22 de abril de 2009, Dia Internacional da Mãe Terra

Senhor Presidente Miguel d’Escoto Brockmann
Senhor Presidente do Estado Plurinacional de Bolivia, Sua Excelencia Evo Morales Ayma
Distinguidos delegados
Irmãos e Irmãs todos


No de 2000 a Carta da Terra nos fazia esta severa advertência:: «Estamos num momento crítico da história da Terra, na qual a humanidade deve escolher o seu futuro...A escolha nossa é: ou formamos uma aliança global para cuidar da Terra e cuidarnos uns dos outros ou arriscamos a nossa própria destruição e a da diversidade da vida”

Se a crise econômico-financeira é preocupante, a crise da não-sustentabilidade da Terra se apresenta ameaçadora. Os cientistas que acompanham o estado da Terra, especialmente a Global Foot Print Network têm falado do Earth Overshoot Day, do dia em que foram ultrapassados os limites da Terra. E isso ocorreu exatamente no dia 23 de setembro de de 2008, uma semana após o estouro da crise econômico-financeira nos EUA. A Terra ultrapassou em 40% sua capacidade de reposição dos recursos necessarios para as demandas humanas. Neste momento necessitamos mais de uma Terra para atender a nossa subsistência.

Como garantir a sustentabilidade da Terra já que esta é a premissa para resolver as demais crises: a social, a alimentária, a energética e a climática? Agora já não temos uma Arca de Noé que salve alguns e deixa perecer os demais. Todos devemos nos salvar juntos.

Como asseverou recentemente com muita propriedade o Secretário Geral desta Casa, Ban Ki-Moon:”não podemos deixar que o urgente comprometa o essencial”. O urgente é resolver o caos econômico, mas o essencial é garantir a vitalidade e a integridade do planeta Terra. É decisivo superar a crise financiera, porém o imprescindível e essecial é: como vamos salvar a Casa Comum e a Humanidade que é parte dela?

Esta é a razão para termos adotado a resolução sobre o Dia Internacional da Mãe Terra que, a partir de agora, se celebrará no dia 22 de abril de cada ano.

Dado o agravamento da situação ambiental, especialmente do aquecimento global, temos que atuar juntos e rápido. Não temos tempo a perder nem nos é permitido errar. Caso contrário, há o risco de que a Terra possa continuar mas sem nós.

Em nome da Terra, nossa Mãe, de seus filhos e filhas sofredores e dos demais membros da comunidade de vida, quero agradecer a esta Assembléia Geral por haver sabiamente aprovado esta resolução.

Neste contexto, me permito fazer uma breve apresentação do fundamento que sustenta a idéia da Terra como nossa Mãe.

Desde da mais alta ancestralidade, as culturas e religiões sempre têm testemunhado a crença na Terra como Grande Mãe, Magna Mater, Inana e Pachamama.

Os povos originários de ontem e de hoje tinham e têm clara consciência de que a Terra é geradora de todos os viventes. Somente um ser vivo pode produzir vida em suas mais diferentes formas. A Terra é, pois, nossa Mãe universal.

Durante séculos e séculos prevaleceu esta visão até a emergência recente do espírito científico no século XVI. A partir de então, a Terra já não é mais considerada como Mãe, senão como uma realidade sem espírito, entregue ao ser humano para ser submetida, mesmo com violência. A mãe-natureza que devia ser respeitada se transformou em natureza-selvagem que deve ser dominada. A Terra se viu convertida num baú cheio de recursos naturais, disponíveis para a acumulação e o consumo humano.

Neste novo paradigma não se coloca a questão dos limites de suportabilidade do sistema-Terra nem dos recursos naturais não renováveis. Pressupunha-se que os recursos seriam infinitos e que poderíamos ir crescendo ilimitadamente na direção do futuro. O que efetivamente é uma grande ilusão.

A preocupação principal era e é: como ganhar mais no tempo mais rápido possível e com um investimento menor? A realização histórica deste propósito fez surgir um arquipélago de riqueza rodeado por um mar de miséria.

O PNUD de 2007-2008 o confirma: os 20% mais ricos do mundo absorvem 82,4% de todas as riquezas da Terra enquanto os 20% mais pobres têm que se contentar com apenas 1,6%. Estes dados provam que uma ínfima minoria monopoliza o consumo e controla os processos econômicos que implicam pilhagem da natureza e grande injustiça social.

Entretanto, a partir dos tardios anos 70 do século passado se tem imposto a constatação de que um planeta pequeno, velho e limitado como a Terra já não pode suportar um projeto ilimitado. Faz-se urgente outro modelo que tenha como eixo a Terra, a vida e o bem viver planetário no quadro de um espírito de colaboração, de responsabilidade coletiva e de cuidado.

Agora a preocupação central é: como viver e produzir em harmonia com a Terra, com os seres humanos, como o universo e com a Última Realidade, distribuindo equitativamente os benefícios entre todos e alimentando solidariedade para com as gerações presentes e futuras? Como viver mais com menos?

Foi neste contexto que se resgatou a visão da Terra como Mãe. Já não é mais a percepção dos antigos mas uma constatação empírica e científica. Foi mérito dos cientistas e sábios como James Lovelock, Lynn Margulis e José Lutzenberger nos anos 70 do século passado, ter demostrado que a Terra é um superorganismo vivo que se autoregula. Ela articula permanentemente o físico, o químico e o biológico de forma tão sutil e equilibrada que, sob a luz do sol, propicia a produção e a manutenção de todas as formas de vida. Por milhões de anos o nível do oxigênio, essencial para a vida, se mantem em 21%, o nitrogênio, decisivo para o crescimento, em 79% e o nível de sal dos oceanos em 3,4%. E assim todos os elementos necessários para a vida. Não é que sobre a Terra haja vida. A Terra mesma é viva, chamada de Gaia, a deusa grega para significar a Terra viva.

Que toda a Terra está cheia de vida no-lo comprova o conhecido biólogo Edward O. Wilson. Escreve ele:”Num grama de terra ou seja, em menos de um punhado, vivem cerca de dez bilhões de bactérias pertencentes até a seis mil espécies diferentes”. Efetivamente, a Terra é Mãe fecunda.

A Terra existe já há 4, 4 bilhões de anos. Num momento avançado de sua evolução, de sua complexidade e de sua auto-organização, começou a sentir, a pensar e a amar. Foi quando emergiu o ser humano. Com razão nas linguas ocidentais homo/homem vem de húmus, terra fecunda. E em hebraico Adam se deriva de adamah, terra cultivável. Por isso, o ser humano é a própria Terra que anda, que sente, que pensa e que ama, como dizia o poeta indígena e cantador argentino Atahualpa Yupanqui.

A visão dos astronautas confirma a simbiose entre Terra e Humanidade. De suas naves espaciais testemunhavam de forma comovedora: ”daqui, contemplando este resplancedente planeta azul-branco, não se percebe nenhuma diferença entre Terra e Humanidade. Formam uma única entidade”. Mais que como povos, nações e etnias devemos nos entender como criaturas da Terra, como filho e filhas da Mãe comum.

Entretanto, olhando a Terra mais de perto, nos damos conta de que ela se encontra crucificada. Possui o rosto do terceiro e quarto mundo, porque vive sistematicamente agredida. Quase a metade de seus filhos e filhas padecem fome e sede e são condenados a morrer antes do tempo. A cada quatro segundos, consoante dados da própria ONU, morre uma pessoa estritamente de fome.

Por isso, são expressões de amor à Mãe Terra, as políticas sociais de muitos países, como por exemplo, de meu pais, o Brasil, sob o governo do Presidente Luis Inácio Lula da Silva, particularmente o programa Fome Zero e Bolsa Família. Em seis anos se devolveu vida e dignidade a 50 milhões de pessoas que antes viviam na pobreza e na fome.

Temos que baixar a Terra da cruz e ressuscitá-la. Para esta tarefa gigantesca somos inspirados por um documento precioso: a Carta da Terra. Nasceu da sociedade civil mundial. Em sua elaboração envolveu mais de cem mil pessoas de 46 países. Em 2003 uma resolução da UNESCO a apresentou “como um instrumento educativo e uma referência ética para o desenvolvimento sustentável”. Participaram ativamente de sua concepção Mikhail Gorbachev, Maurice Strong e Steven Rockfeller e eu mesmo entre outros. A Carta entende a Terra como dotada de vida e como nosso Lar Comum. Apresenta pautas concretas que podem salvá-la, cuidando-a com compreensão, com compaixão e com amor, como cabe a toda mãe. Oxalá, um dia, esta Carta da Terra, possa ser apresentada, discutida e enriquecida por esta Assembléia Geral. Caso seja aprovada, teríamos um documento oficial sobre a dignidade da Terra junto com a declaração sobre a dignidade da pessoa humana.

Mas cabe fazer uma advertência. Para sentir a Terra como Mãe não é suficiente a razão dominante que é funcional e instrumental. Necessitamos enriquecê-la com a razão sensível, emocional e cordial, pois ai se enraiza o sentimento profundo, se elaboram os valores, se cultivam o cuidado essencial, a compaixão e os sonhos que nos inspiram ações salvadoras. Nossa missão, no conjunto dos seres, é a de ser os guardiões e cuidadores desta sagrada herança que recebemos do universo: a Terra, nossa Mãe.

Para terminar permito-me fazer uma sugestão: que se coloque na cúpula interna da Assembléia uma destas imagens belíssimas e plásticas da Terra vista a partir de fora da Terra. Suspensa no transfundo negro do universo, ela evoca em nós sentimentos de reverência e de mútua pertença. Ao contemplá-la, tomamos consciência de que ai está o nosso Lar Comum.

Pediria ainda que fosse aprovada uma recomendação de que no dia 22 de abril, dia Internacional da Mãe Terra, se fizesse um momento de silêncio em todos os lugares públicos, nas escolas, nas fábricas, nos escritorios, nos parlamentos para que nossos corações entrem em sintonia com o coração de nossa Mãe Terra.

Concluo. Tal como está, a Terra não pode continuar. É urgente que mudemos nossas mentes e nossos corações, nosso modo de produção e nosso padrão de consumo, caso quisermos ter um futuro de esperança. A solução para a Terra não cái do céu. Ela será o resultado de uma coalizão de forças em torno a uma consciência ecológica integral, uns valores éticos multiculturais, uns fins humanísticos e um novo sentido de ser. Só assim honraremos nossa Casa Comum, a Terra, nossa grande generosa Mãe.

Muito obrigado.

Leonardo Boff
Representante do Brasil e da Comissão da Carta da Terra.

< topo >

UN GENERAL ASSEMBLY
Leonardo's speech, on April 22, 2009, International Mother Earth Day

President Miguel d’Escoto Brockmann
Evo Morales Ayma, President of Plurinational State of Bolivia,
Distinguished representatives
Brothers and Sisters All

In the year 2000, the Earth Charter presented us with this important warning: “We stand at a critical moment in Earth's history, a time when humanity must choose its futureThe choice is ours: form a global partnership to care for Earth and one another or risk the destruction of ourselves and the diversity of life.”

If the economical and financial crisis is worrying, the crisis of the Earth’s non-sustainability has become threatening. Scientists who follow the state of the planet, specially the Global Footprint Network had talked about the Earth Overshoot Day, the day in which the limits of the Earth would be exceeded, and on exactly September 23, 2008 the Earth surpassed its resources regeneration capacity necessary for human demands by 40%. At the moment we need more than one Earth to survive.

How can we guarantee the sustainability of the Earth as a premise to solve the other crises: the social, alimentary, energetic and climatic? We don’t have Noah’s Ark anymore, which would save some and let all the others die.

As the Secretary General of the UN, Ban Ki-Moon, appropriately declared recently: “we cannot allow urgent matters to jeopardize the essential.” Solving the economic chaos is an urgent matter, but it is essential to guarantee the Earth’s vitality and integrity.

It is important to overcome the financial crisis, but the indispensable and essential predicament is -- how are we going to save our common home and humanity that is part of it?

This is the reason to adopt the resolution of approving the celebration of an International Mother Earth Day on April 22 of each year.

Given the worsening of the Earth’s environmental situation, especially regarding global warming, we must act together and fast. If not, there is the risk that the Earth will continue without us.

I beg you in the name of the Earth, our Mother, the mother of your suffering sons and daughters, and the rest of the members of the community of life, to approve this resolution.

With this in mind, I would like to make a short presentation on the basis for regarding the Earth as our Mother.

Since the beginning of time, cultures and religions have testified to the belief of the Earth as the Gran Madre, Inana, Terra Mater, Magna Mater and Pachamama.

The original peoples from yesterday and today had and have been very clearly aware that the Earth is the generator of all living beings. Only a living being can produce life in its different forms. Therefore, the Earth is our universal Mother.

For centuries this vision prevailed until the emergence of the scientific spirit in the 16th century. Since then, the Earth has no longer been seen as a Mother, but as a reality without a soul, given to humanity to be subdued, even with violence. Mother Nature that should have been respected was transformed in wild nature that must be dominated. The Earth was converted in a chest full of resources, available to humans for accumulation and consumption.

Within this paradigm, neither the problem of the limits of the Earth’s support systems nor limited natural resources are considered. It is presupposed that resources are infinite, and that we can grow without limitations towards the future, which is clearly an illusion. The main preoccupation is -- how to earn more? And the desire to earn more and more has created an archipelago of richness surrounded by an ocean of misery.

Last year UNDP confirmed it: 20% of the richest people absorb 82.4% of the riches of the world, while 20% of the poorest have to be content with only a 1.6%. This is to say, that a small minority monopolizes consumption and controls the economic processes which involve the devastation of nature and extreme social injustice.

But since the late 1970s it has been proved that a small, old and limited planet, such as the Earth, can no longer support an unlimited project. Another model is needed which considers the Earth, life and planetary well-being as the axis within a spirit of collaboration and care. The core concern is -- how can human beings live in harmony with the Earth’s cycles? How can we live longer with less?

It is within this context that the vision of the Earth as our Mother has been salvaged. It is no longer the perception of the old, but an empiric and scientific attestation. The credit for demonstrating that the Earth is a living super-organism belongs to the scientists James E. Lovelock, Lynn Margulis and José Lutzenberger, who accomplished it in the 1970s. She is permanently articulating physical, chemical and biological processes in such a subtle and balanced way that life is always being produced and maintained under the sun. Is not that there is life on Earth, but that the same Earth is alive and is called Gaia, the Greek goddess for the living Earth.

That the whole Earth is alive was proven by the well known biologist Edward O. Wilson who writes: “in a single gram of earth, less than a handful, nearly ten thousand millions microorganisms live, which belong to six thousand different species.” Without a doubt the Earth is a fecund Mother.

The Earth has existed for four million four hundred thousand years. In an advanced moment of its evolution and complexity it started to feel, think and love. It was the emergence of the human being. For this reason, in western languages homo/man comes from humus, fecund earth, and Adam comes from adamah, cultivable earth. As the Argentinean indigenous poet and singer Atahualpa Yupanqui used to say the human being is the Earth that walks, thinks, feels and loves.

The vision of the astronauts confirms the symbiosis between the Earth and humanity. From their spaceships they made the following remark: from here, looking at that bright white and blue planet, no difference between the Earth and humanity is perceived. They are a sole entity. More than peoples, nations and races we must look at ourselves as creatures of the Earth, as sons and daughters of the same Mother.

But looking at the Earth from the closest perspective, we can notice that our Mother has been crucified. She has a face of a third or fourth world because she is being continuously attacked. Almost half of her children are hungry or die before their time. This is why social policies, carried out in many countries like those, for example, in Brazil under the government of Luiz Inácio Lula da Silva, especially with the Hunger Zero Program and “Bolsa Familia,” are signs of love to Mother Earth. In six years they have returned life and dignity to 50 million children of the Earth.

We must get the Earth down from the cross and resuscitate her. For this there is already a beautiful document that could inspire us: the Earth Charter. It was born from the global civil society, its elaboration involved more than one hundred thousand people in 46 countries and it was recognized by UNESCO in 2003 as “an educational instrument and an ethical reference for sustainable development.” Mikhail Gorbachev, Maurice Strong and Steven Rockefeller, among others, actively participated in its conception.

The Charter considers the Earth as full of life and as our home. It presents concrete directions for us on how to save her -- taking care of her with understanding, compassion and love, as should be our loving behavior towards our Great Mother. I hope some day this Earth Charter can be presented to, discussed and embraced by this Assembly, if it was to be approved, we would have an official document about the dignity of Mother Earth and offering the ethical framework, guidelines or parameters of how to achieve a more peaceful and sustainable world for humanity and our common home.

In order to regard the Earth as Mother, the prevailing reason, that is functional and instrumental, is not enough. We must enrich it with sensible and cordial reason where the profound sentiment takes root, where values are elaborated, the essential care, compassion and the dreams which inspire saving actions. Our mission as a group of beings is to be guardians and caretakers of this sacred heritage received from the Universe.

To finish, I want to make a suggestion if I may. When the resolution of celebrating the Mother Earth Day on April 22 is approved, my suggestion would be to put on the wall at the end of the UN building one of these beautiful images of the Earth from outside, suspended in the black background of the Universe which evokes in us sentiments of reverence and mutual ownership. Looking at her we realize that this is our Common Home, our dear and generous Mother Earth.

I would also asked that the recommendation of having everybody, on April 22, in all places, at schools, in factories, at the parliaments, before starting work keeping a moment of silence in order to get our hearts in tune with Mother Earth.

As it is, the Earth cannot continue. We must change our mindsets, our hearts and our ways of production and consumption if we wish to have a future of hope. The solution for the Earth will not come from heaven, but will be the result of a coalition of forces around an integral ecological conscience, ethical values, humanitarian means and a new sense of being. Only then we will honor our Common Home, the Earth, our great and generous Mother.

MANY THANKS

Leonardo Boff

Representative of Brazil and Earth Charter Commissioner

< topo >

ASAMBLEA GENERAL DE LA ONU
Discurso proferido por Leonardo Boff en el dia 22 de abril de 2008
, Día Internacional de la Madre Tierra

Señor Presidente Miguel d’Escoto Brockmann
Señor Presidente del Estado Plurinacional de Bolivia, Su Excelencia Evo Morales Ayma
Señor Embajador de Brasil Piragibe
Distinguidos delegados
Hermanos y hermanas todos


En el año 2000 la Carta de la Tierra nos hacía esta seria advertencia: «Estamos en un momento crítico de la historia de la Tierra, en el cual la humanidad debe elegir su futuro... La elección es nuestra: o formamos una alianza global para cuidar la Tierra y cuidarnos unos a otros o nos arriesgamos a nuestra propia destrucción y a la devastación de la diversidad de la vida».

Si la crisis económico-financiera es preocupante, la crisis de la no-sosteniblidad de la Tierra se presenta amenazadora. Los científicos que siguen el estado del Planeta, especialmente la Global Foot Print Network habian hablado del Earth Overshoot Day, del día que se sobrepasaron los límites de la Tierra. Y exactamente el 23 de septiembre de 2008 la Tierra sobrepasó en un 30% su capacidad de reposición de los recursos necesarios para las demandas humanas. En este momento necesitamos más de una Tierra para atender a nuestra subsistencia.

¿Cómo garantizar la sostenibilidad de la Tierra ya que es la premisa para resolver las demás crisis: la social, la alimentaria, la energética y la climática? Ahora ya no tenemos un arca de Noé que salve a algunos y deje perecer a todos los demás.

Como aseveró recientemente con mucha propiedad el Secretario General de esta casa, Ban Ki-Moon: «no podemos dejar que lo urgente comprometa lo esencial». Lo urgente es resolver el caos económico, pero lo esencial es garantizar la vitalidad y la integridad de la Tierra.

Es importante superar la crisis financiera, pero lo imprescindible y esencial es: ¿cómo vamos a salvar la Casa Común y la humanidad que es parte de ella?

Esta ha sido la razón para adoptar la resolución sobre el Dia Internacional de la Madre Tierra (International Mother Earth Day) que se celbrará el 22 de abril de cada año.

Dado el agravamiento de la situación ambiental de la Tierra, especialmente bajo el calentamiento global, tenemos que actuar juntos y rápido. Caso contrario, hay el riesgo de que la Tierra pueda continuar pero sin nosotros.

En nombre de la Tierra, nuestra Madre, de sus hijos e hijas sufrientes, y de los demás miembros de la comunidad de vida, quiero agradecer a la Asamblea por haber aprobado esta resolución.

A este propósito, quisiera hacer una breve presentación del fundamento de la Tierra como nuestra Madre.

Desde la más alta ancestralidad, las culturas y las religiones testimonian la creencia de la Tierra como Gran Madre, Inana, Terra Mater, Magna Mater y Pachamama.

Los pueblos originarios de ayer y de hoy tenían y tienen clara conciencia de que la Tierra es generadora de todos los vivientes. Solamente un ser vivo puede producir vida en sus más diferentes formas. La Tierra es, pues, la Madre universal.

Durante siglos y siglos predominó esta visión hasta la emergencia del espíritu científico en el siglo XVI. A partir de entonces la Tierra ya no es vista como Madre sino, como una realidad sin espíritu, entregada al ser humano para ser sometida, incluso con violencia. La madre-naturaleza que debía ser respetada, se transformó en naturaleza-salvaje que debe ser dominada. La Tierra fué convertida en un baúl lleno de recursos, disponibles para la acumulación y el consumo de los seres humanos.

En este paradigma no se plantea la cuestión de los límites de aguante del sistema-Tierra ni de los recursos naturales escasos. Se presupone que los recursos son infinitos y que podemos ir creciendo ilimitadamente en dirección al futuro. Lo que efectivamente es una ilusión.
La preocupación principal es: ¿cómo ganar más? Y en razón de ganar cada vez más se ha creado un archipiélago de riqueza rodeado de un mar de miseria.

El PNUD del año pasado lo confirma: el 20% de los más ricos absorbe el 82,4% de las riquezas mundiales mientras que el 20% de los más pobres tiene que contentarse solamente con el 1,6%. Es decir, una ínfima minoria monopoliza el consumo y controla los procesos económicos que implican devastación de la naturaleza y gran injusticia social.

Pero desde los tardíos años 70 del siglo pasado se ha constatado que un planeta pequeño, viejo y limitado como la Tierra ya no puede soportar un proyecto ilimitado. Se necesita otro modelo que tenga como eje la Tierra, la vida y el bien vivir planetario dentro de un espíritu de colaboración y de cuidado. La preocupación central es: ¿cómo vivir y producir en armonía con los ciclos de la Tierra y con los seres humanos distribuyendo equitativamente los beneficios entre todos? ¿Cómo vivir más con menos?

En este contexto es donde se ha rescatado la visión de la Tierra como Madre. Ya no es la percepción de los antiguos sino una constatación empírica y científica. Ha sido mérito de los científicos James E. Lovelock, Lynn Margulis y José Lutzenberger en los años 70 del siglo pasado, haber mostrado que la Tierra es un superorganismo vivo. Ella articula permanentemente lo físico, lo químico y lo biológico de forma tan sutil y equilibrada que, bajo la luz del sol, está siempre propicia a producir y mantener la vida. Por millones y millones de años el nível de oxígeno, esencial para la vida, se mantiene en 21%, el nitrogeno, importante para el crecimiento, es de 79% y el nível de sal en los mares es del orden de 3,4% y asi todos los demás elementos necesarios para la vida. No es que sobre la Tierra haya vida, la Tierra misma está viva y es llamada Gaia, la diosa griega para la Tierra viviente.

Que toda la Tierra es viviente, lo comprueba el conocido biólogo Edward O. Wilson. Escribe: «en un solo gramo de tierra, o sea, en menos de un puñado, viven cerca de diez mil millones de bacterias, pertenecientes hasta a seis mil especies diferentes». Efectivamente la Tierra es Madre fecunda.

La Tierra existe desde hace 4,4 mil millones de años. En un momento avanzado de su evolución y de su complejidad empezó a sentir, a pensar y a amar. Es la emergencia del ser humano. Con razón en las lenguas occidentales homo/hombre viene de humus, tierra fecunda y Adam se deriva de adamah, tierra cultivable. Por eso el ser humano es la Tierra que anda, que piensa, que siente y que ama, como decía el poeta indígena y cantor argentino Atahualpa Yupanqui.

La visión de los astronautas confirma la simbiosis entre Tierra y humanidad. Desde sus naves espaciales testimoniaban: desde aquí, mirando ese resplandeciente planeta azul-blanco, no se percibe ninguna diferencia entre Tierra y humanidad. Forman una única entidad. Más que como pueblos, naciones y razas debemos entendernos como criaturas de la Tierra, como hijos e hijas de la Madre común.

Pero mirando la Tierra más de cerca, nos damos cuenta de que nuestra Madre se encuentra crucificada. Tiene el rostro del tercero y del cuarto mundo, porque vive sistemáticamente agredida. Casi la mitad de sus hijos e hijas padecen hambre y mueren antes de tiempo. Por eso, son signos de amor a la Madre Tierra las políticas sociales que se hacen en muchos países, como por ejemplo, en mi pais, Brasil, bajo el gobierno de Luiz Inácio Lula da Silva, especialmente con el Programa Hambre Cero y la Bolsa Familia. En seis años ha devuelto vida y dignidad a 50 millones de hijos e hijas de la Tierra.

Tenemos que bajar a la Tierra de la cruz y resucitarla. Para eso existe ya un documento precioso que nos puede inspirar: la Carta de la Tierra. Nació de la sociedad civil mundial, involucró en su elaboración a más de cien mil personas de 46 países, y ya fue asumida en 2003 por la UNESCO «como instrumento educativo y una referencia ética para el desarrollo sostenible». Participaron activamente en su concepción Mikhail Gorbachev, Maurice Strong y Steven Rockfeller, entre otros. La Carta entiende la Tierra como dotada de vida y como nuestro hogar. Presenta pautas concretas que pueden salvarla, cuidándola con comprensión, compasión y amor, como cabe hacer cariñosamente con nuestra Gran Madre. Ojalá un día esta Carta de la Tierra pueda ser presentada, discutida, enriquecida por esta Asamblea y, si fuera aprobada, tendríamos un documento oficial sobre la dignidad de la Madre Tierra.

Para sentir a la Tierra como Madre no es suficiente la razón dominante, que es funcional e instrumental. Necesitamos enriquecerla con la razón sensible, emocional y cordial en donde se enraíza el sentimiento profundo, se elaboran los valores, el cuidado esencial, la compasión y los sueños que nos inspiran acciones salvadoras. Nuestra misión en el conjunto de los seres es la de ser los guardianes y los cuidadores de esta sagrada herencia recibida del Universo.

Para terminar, voy a permitirme hacer una sugerencia. Aprobada esta resolución de celebrar el Día de la Madre Tierra todos los 22 de abril, mi sugerencia es que se ponga en la cúspide de la Asamblea una de estas imágenes bellísimas de la Tierra vista desde afuera. Suspendida en el trasfondo negro del universo evoca en nosotros sentimientos de reverencia y de mutua pertenencia. Al mirarla tomamos conciencia de que ahí está nuestro Hogar Común, nuestra querida y generosa Madre Tierra.

Pediría además que se aprobara la recomendación de que el día 22 de abril, en todos los lugares, en las escuelas, en las fábricas y en los parlamentos, antes de empezar a trabajar se haga un momento de silencio para que nuestros corazones entren en sintonía con la Madre Tierra.

Tal como está, la Tierra no puede continuar. Tenemos que cambiar nuestras mentes, nuestros corazones, nuestro modo de producción y de consumo, si queremos tener un futuro de esperanza. La solución para la Tierra no nos va a caer del cielo, sino que será el resultado de una coalición de fuerzas en torno a una conciencia ecológica integral, unos valores éticos, unos fines humanísticos y un nuevo sentido de ser. Sólo así honraremos nuestro Hogar Común, la Tierra, nuestra grande y generosa Madre.

Muchas gracias.
Leonardo Boff
Representante de Brasil, de la Comisión de la Carta de la Tierra