sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Não sei não é resposta


ERA COMPLICADO SER CRIANÇA NA minha época. cada vez que eu julgava estar sendo vítima de uma injustiça e tentava contra-argumentar, ouvia de meus pais: "Não me responda!". Como assim, não responder? Eles me davam bronca por coisas que nem eram assim tão graves - como fazem todos os pais impacientes, e todos são - e eu não podia me defender? Não podia. Pai e mãe, naqueles remotos tempos, tinham sempre razão. Criança não apitava.
Aí entrei na adolescência acreditando que aquele tal de "não me responda" poderia vir a calhar, já que eles começaram a fazer perguntas difíceis como "você vai conosco nas bodas de ouro da sua tia?" ou "de quem é esta carteira de cigarro escondida no meio das suas roupas?". Na tentativa de ganhar tempo, eu balbuciava "eu... eu... " na esperança de que eles me dissessem: "não me responda", mas que nada: eles ficavam bem quietos, olhando fundo nos meus olhos, esperando o desenrolar da cena. Só me restava concluir a frase: "Eu... eu... não sei".
Não sei não é resposta. cresci ouvindo essa máxima e, pior, já me vali deste expediente para arrancar depoimentos mais elaborados das minhas filhas, mas reconheço que é golpe baixo. Excetuando-se as naturais enrolações da adolescência, "não sei" é a resposta mais honesta que alguém pode falar.
Eu faço que sei, mas sei quase nada. Não sei as coisas mais sérias que se espera que um adulto saiba, como, por exemplo, o que eu quero ser quando crescer. Já cresci?? Pois ainda tenho diversas interrogações sobre o amor, sobre o futuro, sobre a morte e sobre a vida. Não sei por que faço coisas que não tenho vontade. Não sei por que me deixo enganar por mim mesma tantas vezes. Não sei por que me sinto culpada quando nego alguns convites e pedidos. Não sei por que se sentir aprovada pelos outros é tão importante. Não sei por que a solidão é tão temida, já que somente a sós podemos ser 100% quem a gente é.
Não sei por que me dá mais satisfação ficar em casa lendo um livro do que ir a uma festa, não sei por que me atrapalho socialmente, por que me prefiro calada, por que todo mundo parece tão mais à vontade do que eu. E também não sei por que estou chorando, quando choro. Alguém sabe por que está chorando?
E se alguém me perguntasse por que a religião, que é uma coisa que deveria trazer paz e promover a fraternidade, transforma as pessoas em fanáticos intolerantes, eu responderia: não sei. Não entendo a razão de tanta gente brigar entre si pelo simples fato de pensar diferente e desejar viver sua própria vida a seu modo.
Sobre aquela carteira de cigarro escondida no meio das roupas, era minha, numa idade em que eu era tola o suficiente para acreditar que fumar era bacana. Mas como eu tinha apenas 13 anos, achei melhor enrolar.

Por Martha Medeiros, revista O Globo, 29/05/2005

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